Em A tragédia brasileira, publicado originalmente em 1987, a exuberância temática e o experimentalismo formal de Sérgio Sant Anna se resolvem numa síntese brilhante. Definido pelo próprio autor como um romance-teatro, o livro tem traços de romance, monólogo, teatro e ensaio. O centro da obra é o atropelamento de Jacira, uma menina de doze anos com a sexualidade prestes a desabrochar. O episódio é recriado do ponto de vista de várias testemunhas, entre elas o Poeta voyeur de espírito romântico e suicida e o próprio Motorista, para quem a menina se torna objeto de desejo, adoração e culpa. Ao conduzir as ramificações da história, o Autor-Diretor enfrenta seus próprios dilemas pessoais na relação com o elenco e nos percalços do processo criativo. Mais do que compor um enredo com início, meio e fim, Sant Anna procura extrair do acidente todas as possibilidades estéticas e emocionais: a partir dessa pequena morte, refletir tudo, diz o autor. Em um epílogo memorável, Buda e Jesus Cristo aparecem como protagonistas de uma bem-humorada reflexão filosófica e religiosa.