Num país em que a violência doméstica contra as mulheres é quase naturalizada, com números crescentes de homicídios muitas vezes praticados pelos homens mais próximos, o texto inaugural de Paula Lopes Ferreira impressiona pela carga emotiva, pela reflexão brutal e desbragada das brutalidades físicas e psicológicas de que os homens são capazes para dominar suas parceiras e submetê-las às velhas convenções do machismo operante. Mas se fosse apenas isso, talvez não deixasse marcas tão indeléveis na leitura. DESPAIXÃO celebra a vida e o renascimento das cinzas onde o amor já não significa mais nada, a não ser uma oficial para matar, mas o faz com uma imaginação plena, que surpreende ao se deixar contaminar por um senso de humor inesperado e uma linguagem tão nova que parecia não existir antes desse livro único, surpreendente, às vezes cruel, mas sempre profundamente humano. Trechos: “Mesmo que a violência contra a mulher seja comum e devastadora para todas, as reações se travestem de várias maneiras: solidariedade, luta ou negação ontológica, erguimento de plantões de socorro e acolhimento, aquisição de direitos e justiça, fortalecimento de valores ou apenas o pensar em sua própria experiência, ou, ainda, a permanência, a piora, a permissão para que tudo fique como está.” “Porém, recomendo não deixar a água ferver. Não preciso de mais queimaduras, fui uma criança que apanhou bastante da própria mãe, cresci rente ao fogo, é preciso tomar cuidado, pois minha pessoa pode fervilhar.” “O coração é uma bomba-monstro.”
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