Retrato de uma cidade do interior do Brasil, através do testemunho meio patético, meio venenoso, de um cidadão excluído da comunidade, Dentes ao Sol provoca e inquieta o leitor.
O narrador foi mesmo condenado ao ostracismo, pelo povo da terra? Ou teria se afastado, por vontade própria e tédio de uma realidade diária mesquinha e asfixiante?
Seja como for, é através de seu depoimento implacável (e com um mal disfarçado sentimento de vingança, de forra) que se reconstitui a sua sufocante vida pessoal e a vida cotidiana da cidade, com as suas trivialidades, as dificuldades de relacionamento entre as pessoas, os segredos de polichinelo, os preconceitos e os absurdos.
Os casos misteriosos que acontecem no escuro do cinema.
A mulher que só atingia o orgasmo fazendo amor em meio a festas populares.
Os homens metralhados na plataforma da estação.
A piscina que engole os que nela mergulham.
O tigre que rasga as pessoas nas ruas. Os jogos anuais, de extrema violência, com a participação de toda a cidade.
Por que todos vendem as casas com quintais e compram apartamentos? A televisão imperando em todos os momentos da vida.
Ninguém sai mais de casa, a tal ponto que se escreveu um Manual Prático para se Sair de Casa, orientando quem quisesse ir à rua. Realidade e simbologia.
Dentes ao Sol, em certa medida, é também a homenagem de um cinéfilo ao cinema, estabelecendo relações entre o que ocorre na cidade, o que o narrador reconstitui e os filmes que marcaram a sua geração.
Escrito com humor e sarcasmo, o livro parece propor, sob o desalento do narrador, um desafio de vida e, sobretudo, de renovação: o estímulo à coragem para se perseguir o sonho, a necessidade de se buscar a utopia, de se viver com esperança, ainda que contra tudo e todos. Sob pena de enlouquecer à sombra, como o "girassol no muro", expondo "os dentes ao sol".