A idéia de revolução no Brasil e outras idéias, de Carlos Guilherme Mota, é a reedição ampliada de um clássico recente da historiografia brasileira. Sua relevância se acentua pelo fato de o Brasil ser o caso crônico de um futuro sempre adiado: “país do futuro” no sentido irônico de, sendo permanentemente “do futuro”, jamais ser capaz de torná-lo presente.
As causas, naturalmente, estão no passado. Porém, não somente no passado dos fatos, das circunstâncias históricas, mas também no passado das idéias moldadas por essas circunstâncias — e que por sua vez ajudaram a moldá-las. Além de textos mais recentes, esta edição conta ainda com prefácio de Miriam Dolhnikoff e com uma fortuna crítica na forma de resenhas assinadas por Frédéric Mauro, Paulo de Salles Oliveira, Celso Frederico, Luiz Mott e Luiz Carlos Delorme Prado.
Como diz Miriam Dolhnikoff no (excelente) prefácio, Carlos Guilherme Mota é um historiador das mentalidades. Isto significa, grosso modo, um historiador cujo radar foi desviado dos grandes acontecimentos e dos grandes homens para a vida comum de uma dada época. O inusitado, aqui, é que o historiador das mentalidades completa um giro e volta aos grandes acontecimentos e aos grandes homens. A volta, porém, modifica o ponto de partida. Pois o arsenal e a visada são outros. Não se trata, portanto, dos fatos em si das várias revoltas concebidas ou tentadas no Brasil colonial ou imperial, mas, sim, das idéias que as moveram.
Além de lançar luz sobre acontecimentos fundamentais sob um ângulo distinto, tal abordagem tem o poder de alimentar o trânsito da história para o presente de modo mais direto. Pois os homens e as circunstâncias do passado pertencem ao passado. Mas as idéias (ou ao menos algumas idéias), ainda que modificadas pela passagem do tempo, permanecem. Suas mudanças e formas de permanência ajudam, pois, a compreender o presente. E sua percepção só é possível com o conhecimento de como tais idéias — como as de revolução e reforma — foram no passado. As surpresas podem ser maiores e mais paradoxais do que esperado. Mas, ao fim, os mesmos paradoxos do passado acabam por aclarar outros do presente. Como sintetiza o prefácio,
“Ao analisar as idéias que emergem da longa transição do antigo regime [colonial] para uma ordem moderna, o autor encontra perspectivas diversas. Além de projetos revolucionários, propostas de viés reformista. A diferença entre ambos [...] estava na atitude em relação ao sistema. Em comum tinham o fato de que, por mais radicais que fossem as transformações desejadas, os dois projetos continham um espírito de conservação. E é nesta conjunção entre radicalismo transformador e conservação que está a chave do pensamento de atores que, pertencentes à elite colonial, não tinham interesse em pôr abaixo o edifício construído em séculos de colonização, mas promover medidas que permitissem a superação da crise sem a perda dos benefícios de que gozavam. [...]
Ser revolucionário nesses tempos era combater a submissão à metrópole, sem contudo alterar as estruturas sociais e econômicas, especialmente a escravidão e a grande propriedade. [...] Ironicamente, é nos projetos reformistas e não nos revolucionários que os setores menos favorecidos da população têm um lugar.[...] Enquanto o espírito revolucionário se escudava na grande propriedade da terra, o reformista de certa forma a questionava. A conjuntura de crise levou esses homens a diagnosticarem que a conservação só viria de propostas ousadas de transformação. [...] O reformismo radicalizava em temas que para os revolucionários eram intocáveis. Curiosa inversão que só o contexto do período pode explicar.”
Por outro lado, não apenas essa inversão, como as realidades econômicas, políticas e sociais que a geraram podem por sua vez explicar parte importante da história recente do país, por exemplo, as várias “modernizações conservadores” que nos trouxeram até aqui (incluindo a dos governos do PSDB e PT).