Clicar São Paulo em meados do século XIX não era tarefa fácil. Essa cidade de barro, que mantinha e fazia conviver sinais dos novos tempos, com o perfil colonial, que insistia teimosamente em permanecer e perdurar, era tarefa de Militão; ao mesmo tempo um artista e um artesão. O fotógrafo padecia de uma espécie de "complexo de Nabuco", uma vez que se a realidade com a qual lidava diariamente era brasileira (e pior, paulistana), a imaginação continuava europeia. Ou seja, nosso artista, como bom artista, não se afastava de seu contexto, ou do imaginário desse momento, e tentava encontrar uma imagem progredida dessa urbe ou mesmo "admirável". No entanto, o que sua lente gravava era bastante distinto, uma vez que temporalidades variadas conviviam: a pressa desse final de século, com a morosidade do tempo das carroças e da poeira fácil; a era da miríade de invenções, com uma população pouco afeita a tanta novidade. Militão, por seu turno lidava de maneira ambivalente diante da realidade com que diariamente se deparava. Sua clientela não era tão distinta como gostaria de apostar; São Paulo escapava do modelo que então se idealizava.
É essa personagem fascinante, mas em tudo contraditória, que Íris Morais Araújo persegue, tal qual detetive atento a qualquer sinal ou pista que lhe permita perscrutar o mistério ou desvendar a incógnita. Nada parece escapar ao olhar da pesquisadora, que descreve o contexto, analisa a biografia de seu objeto dileto - fotógrafo e fotografia -, descobre documentos e os submete a uma operação de cruzamento analítico. Cruzar fontes é seu ofício, e é por isso que a investigação não se contenta em se limitar à análise das fotos de Militão. Ao contrário, Íris explora com primor as cartas legadas pelo artista, assim como recupera um velho Índice; um belo e inesperado indício das redes de sociabilidade, não sem dificuldades, construídas pelo fotógrafo.