No princípio, era o realismo. A relação de nossas escritoras e escritores com a representação do real imediato tem dado panos para manga aos que vêm se dedicando a interrogar o traço estilístico – DNA estético ou vício de origem? – de uma literatura que, no diagnóstico de seu artífice maior, Machado de Assis, é há muito marcada por um “instinto de nacionalidade”. Como o Brasil nunca foi para principiantes, a trama conceitual se adensa a partir do último fim de século. Desde então, propõe este ensaio inquietante, o realismo acompanha a História para se repetir não exatamente como farsa – coisa de outro momento finissecular – mas como disfunção. Seria chegado o tempo de um “naturalismo desfeito”, do “naturalismo sem natureza”? É destas questões espinhosas que se ocupa Zonas desconhecidas da realidade. A referência, no título, a Noite dentro da noite, romance que Joca Reiners Terron publicou em 2017, é eloquente do escopo crítico e das intenções de Lucas Bandeira. Trata-se de escrutinar com mais dúvidas do que vereditos a ficção recente que ele, o autor, acompanhou com rigor e interesse teóricos e, também, nas lidas da edição, nas condições brutas da produção material e da difusão dos livros. Paulo Lins e Ana Paula Maia, Bernardo Carvalho e Itamar Vieira Junior, Daniel Galera e Ferréz convivem aqui em perfeita desarmonia. E o fazem menos por capricho eclético do que pelo empenho de Lucas não apenas como crítico, mas como o fino leitor que é. Qualidade que, como se sabe e se pode demonstrar sem dificuldade, é mais rara do que o desejável na produção teórica recente. Paulo Roberto Pires